Atualmente, é quase imperativo que um negócio não só tenha, mas declare, em alto e bom som, um propósito. Na interpretação mais usual (e nem sempre correta), propósito é a missão da empresa que busca ser responsável do ponto de vista social e ambiental. Muito em função da pressão desses temas, “ter um propósito” se tornou algo comum, quase banal.
O problema é que um propósito não tem nada de banal. E se tiver, já deixou de ser um propósito.
Começando pelo começo
Antes de tudo, vale esclarecer algo importante. A sua empresa não possui um propósito. Ela serve a um propósito. A diferença aqui é muito mais profunda do que se pode perceber à primeira vista. Possuir indica propriedade, ou seja, a capacidade de controlar e direcionar algo. Servir, por sua vez, indica um ato de dedicação em favor de uma causa. E provavelmente essa causa ainda existirá muito tempo depois que a sua empresa sair do mercado.
A consequência direta de se servir a um propósito é, em geral, ignorada pelos empreendedores: O propósito restringe (e não amplia) o conjunto de estratégias possíveis.
Por exemplo, se uma empresa serve verdadeiramente ao propósito de “proteger o meio ambiente”, isso influencia, entre muitas outras coisas, o tipo de combustível que abastece a frota dessa empresa, mesmo que haja um custo maior nisso. Percebe como é mais complicado?
No outro lado da moeda, pesquisas recentes encontraram evidências de que servir a um propósito é positivamente correlacionado com a atração de talentos e o aumento do desempenho das empresas no médio e longo prazo.
Encontrando um propósito
Pois bem, digamos que você decidiu que o seu negócio irá servir a um propósito. A questão, então, passa a ser identificar um propósito que faça sentido. Aqui, não há uma regra de bolso. O melhor é realizar uma reflexão profunda sobre a empresa e o mercado. Abaixo listo algumas questões que podem guiar essa reflexão.
Como e por que o negócio começou? O que se queria atingir?
O passado importa. Muitas vezes uma empresa foi fundada simplesmente porque o empreendedor necessitava sustentar a família ou buscava atingir independência financeira. Isso não é um erro, nem impede que a empresa encontre um propósito. É melhor ter clareza deste fato ao invés de inventar uma narrativa bonita, mas irreal.
Qual o seu senso de propósito?
Independente do ramo comercial em que você atua, do tipo de produto que produz ou serviço que presta, o que lhe inspira no plano pessoal? Por vezes, nos vemos tão atarefados no dia-a-dia que perdemos contato com aquilo que nos move de forma mais profunda.
Como você entende o seu negócio relativamente à sociedade?
Toda empresa opera num mercado, ao mesmo tempo em que se insere na sociedade. Isso é um fato simples. O que é menos simples é articular, de uma forma clara, como o empreendedor vê o seu negócio em relação à sociedade. Quais benefícios estão sendo criados além do lucro no final do ano? Quais são as eventuais externalidades negativas associadas ao negócio?
Como o seu senso de propósito poderia se relacionar com todos os stakeholders da sua empresa e com o contexto no qual ela opera?
De que maneira (ou maneiras) você poderia manifestar o seu senso de propósito através do seu negócio. Pense na resposta à pergunta anterior e procure identificar os aspectos positivos e negativos associados à atividade da sua empresa. Estes são bons pontos de partida, em geral.
Servir a um propósito não é algo estático
Mesmo que a sua empresa sirva a um propósito bem definido, é sempre importante realizar dois movimentos complementares. Primeiro, deve-se buscar estabelecer metas claras e alcançáveis. De nada adianta dizer que se serve um propósito sem que haja comprometimento e acompanhamento da evolução ao longo do tempo.
Segundo, é preciso estar atento à evolução da sociedade. É um equívoco achar que o mundo não está em constante mudança. E isso implica que a forma como um propósito é servido hoje pode mudar amanhã, talvez em uma direção nova e não prevista. O comprometimento efetivo com uma causa envolve uma vigilância perene.
O esforço adicional envolvido em se servir a um propósito tende a gerar ganhos não só tangíveis, na forma de maior desempenho, mas também traz um significado mais profundo para a sua empresa e para a sua própria vida como empreendedor.
Guilherme Fowler,
economista e doutor em administração pela USP,
é professor de estratégia do Insper
https://www.linkedin.com/in/guilherme-fowler-a-monteiro-5a042723/
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